“Gerar uma ciência diversa para uma sociedade diversa, como deve ser” 25/06/2021 - 13:42
É assim que a pesquisadora Rita de Cássia dos Anjos, do Departamento de Engenharia e Exatas do Setor Palotina da Universidade Federal do Paraná, define a importância da participação das mulheres na ciência. “Quando olhamos apenas para um lado não conseguimos ter visão do todo e nosso referencial torna-se pobre diante da imensidade e necessidades da ciência. Quando temos uma ciência feita com diversidade conseguimos uma maior eficiência e assertividade”, destaca.
A presença da mulher pesquisadora vem crescendo em diversas áreas do conhecimento que antes eram dominadas por homens. Porém, embora sejam a maior parte da população, elas ainda são minorias na ciência. Na pesquisa, apenas 40% são mulheres no Brasil. Muitas delas estão trabalhando para mudar esta realidade e incentivar mais meninas a descobrirem a importância de contribuir para o avanço da ciência, como vem fazendo a professora Rita.
Para o presidente da Fundação Araucária, Ramiro Wahrhaftig, o crescimento da participação das mulheres é mérito delas mesmas que venceram barreiras culturais ao longo dos anos e com um alto nível de capacitação estão conquistando o espaço delas na ciência. “A pesquisa científica brasileira é referência mundial em diversas áreas e as mulheres lideram muitos destes projetos. Muito nos orgulha contar com pesquisadoras do patamar da professora Maria Rita que além de fazer um importante trabalho na sua área também contribui para motivar mais meninas e jovens à iniciação científica”, enfatiza.
A pesquisadora Rita de Cássia dos Anjos conta que o interesse por ciência começou cedo e com muito incentivo de sua mãe. “Sempre fui muito curiosa e minha mãe sempre me instigou a entender as coisas ao meu redor. Hoje compreendo que isto foi uma válvula propulsora para minha carreira.” No ensino médio interessou-se por biologia, teve a oportunidade de fazer um cursinho pré-vestibular, quando se apaixonou pela física.
Aos 37 anos, com mestrado e doutorado em Física pela Universidade de São Paulo (USP), Rita de Cássia optou pela astrofísica área ainda associada à cultura masculina. “Ao final do meu mestrado participei de alguns workshops na área de astrofísica, desde então comecei a interessar-me pela astrofísica de partículas. Hoje trabalho com física de altas energias e sou muito realizada.”
Embora tenha enfrentado situações de racismo e machismo em sua trajetória ela conta que nunca pensou em desistir. “Nos ambientes que frequentei durante minha formação não havia muita diversidade. No entanto, sempre encontrei docentes e colegas que me motivaram a continuar minha jornada e minha paixão pela ciência.” E destaca a importância da diversidade no meio acadêmico. “Quando não há diversidade, nos deparamos com situações de racismo, machismo, entre outras discriminações, em que pensamos que aquele ambiente não nos pertence.”
Os prêmios já conquistados são motivo de muito orgulho para a pesquisadora. Entre os mais importantes cita o projeto de pesquisa aprovado pelo Instituto Serrapilheira em 2018, que contribuiu para o desenvolvimento de suas atividades e para o crescimento de sua pesquisa no Paraná. Também o Prêmio Para Mulheres na Ciência 2020 - promovido pela L’Oreal Brasil, com a Academia Brasileira de Ciências e a UNESCO Brasil. “Ter conquistado este prêmio significou para mim que a pesquisa que faço é de qualidade, mesmo estando em um campus da UFPR no interior do Paraná. Mesmo sendo minoria no ambiente acadêmico é possível fazer ciência e incentivar nossos alunos para seguirem a carreira acadêmica”, ressaltou.
Fomento - O fomento à pesquisa é visto por Rita de Cássia como fundamental para o avanço da ciência. “Sem fomento não existe pesquisa. O pesquisador tem excelentes ideias, mas sem um laboratório e alunos para auxiliá-lo ele não consegue desenvolvê-las. A Fundação Araucária, aqui no Paraná, vem lutando para manter investimentos em bolsas e nos diversos projetos em ciência básica e aplicada.”
A fuga de grandes cérebros do país devido à falta de investimentos e políticas públicas para pesquisadores é apontada como um dos entraves para que o Brasil avance mais. “Sem oportunidades, muitas colegas deixam o país com o desejo de conseguirem fazer pesquisa e ao final, ficamos no vermelho: perdemos investimento em recursos humanos e depois o próprio pesquisador.”
“É necessária uma preocupação maior com a ciência brasileira e os caminhos que ela precisa trilhar para gerarmos uma melhor qualidade de vida para nossa população e, consequentemente, diminuirmos a desigualdade social que tanto nos destrói”, completa a pesquisadora.
Projetos - Além dos projetos relacionados à pesquisa de raios cósmicos, a professora gosta muito dos projetos de extensão junto à comunidade. “Nos últimos anos trabalhei com o projeto de oficinas de professores com o objetivo de promover uma formação continuada junto aos professores da rede pública. Isto os motiva e desperta os alunos para a Ciência.”
Ela também coordenou o projeto Física em Braille, que pretende retomar após a pandemia. O objetivo confeccionar materiais que auxiliem no aprendizado de exatas, em especial física, os alunos com deficiência visual e com baixa visão. “O objetivo é proporcionar a eles uma oportunidade de aprendizado da física com materiais táteis e em Braille. Criamos um site para a atualização dos materiais desenvolvidos e materiais relacionados ao tema www.fisicaembraille.ufpr.br .”
Rita de Cássia dos Anjos é membro afiliado na Academia Brasileira de Ciências para os anos 2021-2025. “Foi uma grande oportunidade ter sido indicada e eleita. Espero contribuir muito para o desenvolvimento da ciência no Brasil e participar ativamente das oportunidades que terei dentro da academia.”
Exemplo na ciência - Rita de Cássia dos Anjos está engajada em contribuir com meninas e mulheres negras que sonham com uma carreira acadêmica. “Considero-me privilegiada pela conquista de ser uma pesquisadora. Grande parte das nossas mulheres negras está na base da pirâmide econômica nacional, sem condições mínimas de seguir uma carreira acadêmica ou mesmo cursar o nível superior.”
Por meio de palestras e participação em seminários, ela tem usado seu exemplo de vida para incentivar outras meninas. “Tem sido rico e acredito que o exemplo é algo que faz muita diferença na vida de nossas meninas. Elas percebem que não estão sozinhas e também podem conquistar seu espaço. Estou aproveitando estas oportunidades para divulgar a ciência que eu faço e a importância da representatividade da mulher negra na ciência”, conta.
A pesquisadora entende que as condições são melhores atualmente, mas afirma que no geral esta mudança acontece muito lentamente. “Dentro deste cenário é necessário um maior incentivo às nossas jovens negras por meio de políticas públicas e ações locais.”
Atrair mais jovens para a ciência não é uma tarefa fácil e precisa de uma abordagem diferenciada. “Eu gosto de definir ciência como a forma de compreensão do universo ao nosso redor. Se entendemos como as coisas funcionam poderemos utilizá-las para nosso crescimento e desenvolvimento. É fácil entender isto quando pensamos na química ou medicina, mas o conceito se estende para qualquer área do conhecimento”, explica Rita de Cássia.
A professora é um dos destaques do livro Mulheres Negras Brasileiras e é um exemplo para muitas meninas que temem pelas dificuldades que podem encontrar na vida. Em suas palestras, a principal mensagem que gosta de passar é o da força interior. “Aprendi a enfrentar os desafios entendendo o valor que tenho e a capacidade de contribuir com o mundo ao meu redor. Para as meninas negras fica meu conselho: não pare nos desafios, nos olhares e situações desagradáveis. Tudo isto passa! Foque e desenvolva sua vida a partir de olhares que a incentive e agarre as oportunidades que irão aparecer. Isto sim é eterno”, finaliza.
Por Ticiane Barbosa